quarta-feira, 26 de junho de 2013

Rumos da democracia. Uma aposta na democracia participativa

Por Rony Coelho*

O Brasil pode se tornar uma democracia participativa. Essa é uma aposta que joga alto, obviamente. Não implica, portanto, a crença de que realmente vá acontecer. Todavia, temos aparato e um pouco de conhecimento (know-how) para tanto. Existem hoje no país mais de 30.000 conselhos gestores em diversas áreas de políticas públicas. Já experimentamos mais de duas centenas de casos de orçamentos participativos (em 261 cidades para ser mais preciso). Temos a construção de planos diretores municipais, em que as audiências públicas são obrigatórias, em mais de 1.500 cidades. O número de conferências nacionais já ultrapassa mais de uma centena (115), sem falar das estaduais e municipais. Temos outros mecanismos que não encontramos em nenhum lugar do mundo como a Comissão de Legislação Participativa. Podemos mencionar ainda as iniciativas populares, como a Lei da Ficha Limpa (2010) e a lei de iniciativa popular contra a compra de votos de 1998, entre outras. Tudo isso existe e/ou aconteceu, praticamente, nos últimos 25 anos.

É de se esperar que alguns podem objetar que esses mecanismos não são efetivos. É verdade, em parte. Mas é verdade também que temos algumas experiências que foram exitosas. Além disso, tomando todos em conjunto, não existe nada parecido em nenhum outro país do mundo, com tamanha dimensão, isto é, em número de experiências.

Também há que se lembrar que grande parte dos mecanismos citados foi gestada nas lutas populares dos anos 1970 e 1980 e, com forte pressão dos movimentos sociais e outros segmentos voltados a causas populares, conquistada durante o processo constituinte (1987-8). Nós, os brasileiros, na sequência dos acontecimentos, não conseguimos fazer todas essas coisas funcionarem, de fato. É preciso considerar o contexto. O avanço do projeto neoliberal na década de 1990, por exemplo, foi um grande contraponto. E os problemas não param por aí. Na verdade, são muitos. Mas não é preciso adentrar nesse ponto.

A questão é: tendo em vistas os acontecimentos recentes, as grandes ondas de manifestações que aportaram por aqui, quais os rumos da democracia no Brasil? Em tempos em que os nervos ficam à flor da pele e parece haver uma luz no fim do túnel, ainda que não saibamos onde esse túnel vai nos levar, não parece descabida tal questão e apostar, ou melhor, ariscar, sem pretensão, palpite sobre a mesma.

Não se trata, porém, de uma aposta desmensurada. Para além das manifestações recentíssimas, alguns outros fenômenos presentes no contexto mundial e que, portanto, reverberam-se no Brasil, contribuem para pensar:

1 – Vivenciamos um amplo declínio do partidarismo e da participação eleitoral, o que não é preciso ir muito longe para enxergar. Mas pontuo como evidência: a não identificação com os partidos existentes, altas taxas de absenteísmo, voto nulo, volatilidade partidária, etc. Sem falar de um sentimento mais geral de descontentamento e desconfiança nas instituições políticas tradicionais, em especial o parlamento. Esse é um fenômeno que se acentuou só muito recentemente, a partir dos anos 1990.

2 – Apesar do declínio da participação eleitoral, hoje as pessoas participam mais do que em décadas passadas. Evidência disso são as inúmeras formas de atuação que compõem o repertório de ação política de cidadão e grupos. Contribui para tanto o avanço da tecnologia e a disponibilização de informações (por fora da grande mídia, é claro). Além dos protestos, manifestações (pense no grupo feminista Femen; na Marcha das vadias, na Parada Gay etc) e ocupações (occupy Wall Street e indignados da Espanha), mais pessoas têm, por exemplo, proposto e assinado um maior número de petições (contra o Renan Calheiros, por exemplo). Há também um maior número de pessoas apelando a processos judiciais para a garantia de direitos; bem como recorrendo a ouvidorias e leis de acesso à informação etc. Sem falar em novas formas de ações como  o "cyberativismo" e "hackerativismo" (pense no anonymus ou no wikileaks), para ficarmos com alguns poucos exemplos.

3 – Apesar do declínio do partidarismo, os partidos políticos continuam a desempenhar suas funções chaves no regime de governo representativo. Não há nenhuma evidência de que os partidos sairão do jogo facilmente. Pelo contrário, os partidos têm importância destacada, principalmente, na arena governamental. O número de partidos tem ampliado e, consequentemente, o de candidatos nas eleições. É através deles que os políticos expressam seus posicionamentos e podem disputar cargos eletivos. Mas de todo o modo, os agentes e líderes partidários estão cientes das transformações no mundo (me refiro aos pontos 1 e 2). Mais do que resistir a essas tendências (se fosse assim, provavelmente não aguentariam por muito tempo a pressão), os partidos estão a adaptar-se a elas.

4 – Tendo esses elementos (ou fenômenos) em jogo, há indícios de que podemos caminhar, em um primeiro momento, para um processo de abertura das instituições tradicionais. Alguns sintomas nesse sentido já são visíveis, por exemplo, a criação ouvidorias em órgãos públicos e de leis de acesso à informação, entre outras inovações institucionais de mesmo cunho, empreendidas mundo afora. Diria até mesmo uma maior utilização, por vários governos, de mecanismo como referendum e plebiscito.

Considerando esses elementos, e resguardadas as devidas ressalvas para o caso do Brasil, em um momento posterior – e essa é a aposta – podemos caminhar para uma maior efetivação das instituições participativas (conselhos, conferências e outras instâncias). Nesse sentido, o regime de governo representativo pode ser mesclado com uma democracia participativa. Isso porque temos que ter em conta que o processo é longo e não é unidirecional. Ademais, pensar em democracia participativa não se trata da democracia direta como a dos gregos, na ágora. Seria um tanto imprudente e inviável querer que todas as questões públicas devessem ser submetidas a voto popular com a presença de todos em praça pública (ou mesmo de modo virtual), por um largo período de tempo. No entanto, processos de decisão de muitas questões públicas, incluindo algumas das mais importantes do ponto de vista do funcionamento do sistema político, podem ser comportados por instâncias participativas.

Com a recente onda de manifestações, com repercussões por todo o Brasil, não sabemos como o sistema político se portará. Mas é interessante, por exemplo, observar que para dialogar com integrantes do Movimento do Passe Livre (MPL), responsável pela iniciativa das mobilizações, o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), convocou o Conselho da Cidade. Poderia ser uma reunião a portas fechadas ou em qualquer outro órgão? Certamente. No entanto, convocou o conselho consultivo formado por representantes de diversos segmentos: movimentos sociais, sindicatos, associações empresariais, liderança religiosas etc. Independente do caráter do conselho, talvez esse seja um forte sintoma dos tempos que estão por vir.

* Doutorando em Ciência Política (UNICAMP) e Membro do Grupo de pesquisa Construção Democrática (IFCH/UNICAMP)

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